Durante sessão online ocorrida nesta segunda-feira (15) a 2ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), em decisão unânime, declarou a nulidade do ato administrativo do Município de Inhangapi, que pretendia fechar 19 das 24 escolas rurais existentes para a implantação do Projeto de Nucleação Escolar.
A decisão da 2ª Turma, que se deu em Apelação de Sentença Cível interposta pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), reformou a sentença de primeiro grau, que entendeu tratar-se de matéria afeta à discricionariedade do gestor público, sem possibilidade de intervenção judicial, em respeito ao princípio de separação dos poderes. A maioria da população do município reside em área rural, onde estão localizadas grande parte das referidas escolas ameaçadas de fecharem, frequentadas por comunidades quilombolas e ribeirinhas.
O Fórum Paraense de Educação do Campo (FPEC) e a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombolas do Pará (MALUNGU) emitiram comunicado elogiando a atuação da promotora de justiça Tatiana Granhen, autora da Ação Civil Pública do Ministério Público Estadual, e do procurador de justiça, Waldir Macieira, que a acompanhou na ACP e fez a sustentação oral na sessão de julgamento do caso.
O Ministério Público recorreu ao Judiciário por entender que o ato municipal viola diversos preceitos legais, desde a Constituição Federal até Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário, especialmente pelo fato de comunidades quilombolas estarem sendo atingidas pela medida. Destaca ainda a violação à Lei de Diretrizes e bases para Educação (LDBEN) e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que preveem a garantia de vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima da residência do aluno, bem como a oferta de educação básica para a população rural, promovendo as adaptações necessárias à sua adequação as peculiaridades da vida rural e de cada região.
Ressalta ainda o fato de o ato municipal não atender os procedimentos necessários para a implantação do Projeto de Nucleação Escolar, como a oitiva das comunidades afetadas, a realização de impacto sociocultural por profissionais habilitados da área, dentre outros. Conforme o parágrafo único do inciso III do artigo 28 da LDBEN, que dispõe sobre a adequação à natureza do trabalho na zona rural, “o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar”, o que não foi adotado pelo Município.
Para o relator da Apelação, desembargador Luiz Neto, “não há dúvidas de que o fechamento de escolas rurais impactará sobremaneira as comunidades envolvidas, mormente se levarmos em consideração que os prejudicados são, especialmente, comunidades tradicionais de quilombolas e ribeirinhos, com maiores dificuldades de migrarem para outras localidades para continuarem frequentando a escola, daí porque, aliás, a proteção incluída no parágrafo único da Lei nº 9394/96 pela Lei nº 12.960/2014, para fazer constar a exigência de manifestação de órgão normativo do sistema de ensino para o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas”.
O magistrado complementa que “essa circunstância viola, ao mesmo tempo, a Constituição Federal, eis que a educação é um direito social, previsto no artigo 6º, inclusive de responsabilidade conjunta de todos, Estado, família e sociedade (art. 205); o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (art. 28, § único); bem como a Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho, que estabelece como prioridade a melhoria da educação dos povos tradicionais no local em que vivem, a fim de que não percam os laços com suas culturas e tradições (arts. 6º e 7º)”.
Além disso, o relator afirma que “não se questiona que a Administração Pública pode promover projetos de Nucleação Escolar, eis que em muitas situações são benéficos. Entretanto isto não pode ocorrer ao arrepio da lei, como ocorre no caso examinado, pois o artigo 28 da Lei de Diretrizes e Bases foi completamente ignorado, já que não foi oportunizada a correta consulta à comunidade escolar, bem como a manifestação de especialistas sobre o tema”.
O relator destaca ainda que “a oitiva de especialistas é condição para a implementação do projeto nucleador, junto com as demais condicionantes, que, pelo visto, nos autos, e comprovado na decisão apelada, não foi devidamente cumprido pelo apelado, ensejando, por óbvio, a nulidade do ato administrativo e do projeto de nucleação das escolas localizadas em áreas ribeirinhas, indígenas, quilombolas, tal como previsto no art. 28, parágrafo único da Lei nº 9394/96 e art. 41, da Res. 485/2009, do CEE”, finalizando a sua manifestação pela procedência do recurso de apelação para a reforma da decisão e declaração da nulidade do ato municipal.
Fonte: Ministério Público do Estado do Pará.
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